Arquivo da categoria: Crônicas

Jogos e jogadas

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Jogos e jogadas

Jogar é uma arte. Em qualquer jogo, o vencedor é aquele que detém melhor habilidade para jogar.

 Conhecer as regras é princípio para o sucesso de um bom jogador e a disciplina é a linha de condução para a vitória.

Esse seria o pressuposto para uma boa jogada.

Aliás, jogada é uma palavra que, de certa forma, vulgariza o jogo.

Não sei se há exceção na regra, ou regra na exceção quando o jogo é o poder público ou quando o que se está em jogo é público poder.

Nesta jogatina, pessoas são meras peças de xadrez que ocupam o lugar que melhor convém ao jogador, que prefere manter-se no anonimato até a cartada final.

Ora, a bola tá com o adversário, ora o jogador é o dono da bola e decide não dividi-la com mais ninguém, já que não lhe é interessante participações excessivas no bolo, ou na bola.

As cartas são entregues. E pra quê colocá-las na mesa?

Se a mesa não as caberá?

Tudo bem Há mangas de sobras para as  cartas mais necessárias possíveis, nos momentos mais decisivos e lucrativos possíveis.

E a bola rola…

O juiz? -É uma questão de posição…

Onde deve estar? Quando sinalizar?

– Não diz respeito ao público – mero coadjuvante da partida.

E não se pode esquecer dos bajulas, essas figuras fantásticas. Sempre a postos. Em ótimos postos, feito cães de guarda à espera do ataque ou da defesa.

Não, essa não é uma nova função, tampouco errei na denominação. Os bajulas são imprescindíveis às mirabolantes jogatinas. São eles os que seguram a bola e jogam nas mãos mais propícias para a ocasião. São aqueles que não deixam a batata quente cair em mãos erradas ou sequer permitem que ela chegue a esquentar.

A classe dos bajulas é espetacular. Cuida do espetáculo para que a platéia nunca veja o palco cair.

Viva os bajulas! Eles estão em campo! O tempo todo!

E a bola rola…

E o jogador enrola…

E o público assiste à bola da vez entrar…

Na conta de quem?

De quem arma o time prefeito para pilantragens chamadas políticas e faz de um povo sedento de justiça, mera platéia para os mais articulados jogos de interesses e conveniências particulares.

Professora Valéria Duarte Guedes

As faces fabulosas da coisa

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As faces fabulosas da coisa

Onde estão os idealistas?

Onde estão aqueles que acreditam em seus ideais e lutam pela realização dos mesmos, ainda que lhes custem a liberdade?

O idealismo dos jovens que sonham com um futuro promissor e planejam o amanhã com o entusiasmo de quem vive o hoje? Jovens que não se acomodam com as frases feitas pelo populismo acovardado:

“Não há em quem acreditar ninguém faz coisa alguma”.

“A coisa não tem mais jeito”

“As coisas só pioram mesmo…”

“Meu voto não vai fazer diferença mesmo pras coisas melhorarem”

“Entra um e sai outro…as coisas são sempre as mesmas”

“Que coisa”…

Certamente, a palavra coisa não designa Coisa com Coisa mesmo!

E que coisa é esta?

Tentemos substituir a famosa coisa por alguma outra coisa melhor:

“Não há em quem acreditar, ninguém cumpre compromisso algum”

Mas, quantos têm cobrado o cumprimento dos compromissos firmados, em épocas propícias?

“A política não tem jeito”

Mas, o que se tem visto é política ou politicalha? Se a segunda opção lhe cair bem, melhor assumir a parcela de responsabilidade nessa façanha.

“Meu voto não fará diferença para a realidade da população brasileira melhorar”

É sempre bom lembrar que a população brasileira não é aquela do outro lado do mundo. Ao contrário, é esta na qual você se encontra, é esta da qual você faz parte, é esta em que você vive…

Onde você chora e ri!

Por onde você anda, corre e cansa.

É nesta que você trabalha, esforça-se, desperta e adormece.

Às vezes se lembra, às vezes se esquece…

Esta população brasileira sou eu, é você, somos nós… Um povo inteiro disposição para acolher, mas que precisa ser acolhido pela justiça…que ainda não aprendeu a conquistar.

“Entra um e sai outro… a corrupção, a mentira, a desigualdade são sempre as mesmas”

Entre um e outro houve uma escolha. E dela você fez parte direta ou indiretamente, mesmo que agora não se lembre sequer da sua última escolha. Há uma parcela de responsabilidade de todos os que compõem esse cenário, que inescrupuloso ou não, é o que se tem diante dos olhos e no que se vive o cotidiano.

“Que cansaço…” ou pior:

“Não dá pra acreditar, hein?”

Na verdade, não dá pra acreditar que o conforto dos braços cruzados acomode a “Brava gente brasileira”.

O sonho da igualdade acabou?

As trevas noturnas da ignorância e da exploração não cederam à aurora da democracia e da liberdade?

Onde estão os ufanistas? Os utópicos? Os eternamente sonhadores capazes de mover suas últimas forças para a mudança, por menor que seja ela?

Os ideais revolucionários se apagaram em meio a frieza do olhar taciturno e desacreditado?

Declaradamente… é fantástico ser um idealista…

É fantástico crer que dias melhores não tardarão…

Acreditar que há homens justos, que há pessoas honestas e sonhadoras…

Declaradamente… ainda que não haja jovens sonhadores que se sintam capazes de mudar o mundo… de tentar outra vez… de caminhar e cantar… e…construir a canção…

Ainda assim, sempre há possibilidade de ocorrer o inesperado…o inusitado…

Ainda assim, é bom lembrar que a juventude é uma questão de ideologia…

A juventude de outrora, de hoje ou de amanhã pode estar disposta a dar a resposta e inverter a história…

Afinal, quem sabe faz a hora…e a coisa…pobre coisa…pode cair num descruzar de braços para unirem-se as mãos!

Valéria Duarte Guedes

Professora de Língua Portuguesa

Curiosa Democracia

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E quem disse que a utopia acabou? Se é ela, a responsável por configurar e ornamentar os palanques da hipocrisia?

Pensando bem, amigo leitor. Como vai nossa democracia?

– Utopia?

– Hipocrisia?

Talvez se tornaram aliadas para sustentarem o convincente argumento de certos governantes, que por alguns instantes ( período de campanha ) são os mocinhos e heróis- símbolos do Projeto de Salvação da Pátria, que aliás, tem nos sido muito ingrata!

Não, amigo leitor. Isso não é um jogo de rimas, mas sim, verdadeira indignação.

Sabe um desses dias, em que o tempo não está quente, nem frio? – Morno! Como a prática da solução para as necessidades de cidadãos como nós?

Deu pra imaginar?

Pois é! Foi em dia desses, recente, porém constante, que a palavra Democrático despertou em mim, uma curiosidade conflitante…

Parei no sinal.

Horário de pico. Muitos trabalhadores retornavam às suas casas,  para o tão almejado descanso. E eu, compunha aquele cenário de mãos, braços e mentes que constroem e nem sempre usufruem da construção.

Enquanto esperava , vi aquelas mãozinhas frágeis de uns doze anos de vida, pés descalços, rostinho fino, olhos fundos de quem não sabia muito o que tinha nas mãos, mas carregava a certeza de que era seu ganha-pão, ou quem sabe, os possíveis trocados que ajudariam a família a comprar o pão.

De certo, aquelas mãozinhas deveriam empunhar o lápis e a caneta, assim como aqueles olhinhos estarem voltados para os livros e outros encantos que o ambiente escolar tem a obrigação de proporcionar às nossas crianças e aos nossos adolescentes.

Curioso! O fato era curioso e tornava-se, a cada instante, mais curioso. Como os olhos curiosos e atentos à parada dos carros para não perder uma janela aberta( como se o tivessem treinado para tamanha agilidade nas pernas e mãos) para a empreitada de distribuir aqueles papéis a todos.

A rapidez do sinal cronometrava-lhe a quantidade de papéis a serem por ele entregues.

E, eu, ali!

Antes que chegasse até mim, eu já pensava no meu filho, nos filhos dos que também paravam naquele lugar e em tudo o que era privado àquele garoto, pela necessidade de cumprir aquela  obrigação a ele incumbida.

Curioso!

Ele se aproximou  do carro e entregou-me um jornal, como se o alívio se  aproximasse dele, pois pareceu-me ter a expressão de quem estava prestes a acabar o dia de trabalho.

Não houve tempo para questioná-lo sobre o produto que distribuía…

Mais intrigante era a pergunta que ainda não se calou em meu pensamento, diante daquela cena:

–            Será que o garoto sabia o significado daquilo que me entregara?

–          Curioso! Isso sim, amigo leitor, é muito curioso: um jornal denominado “O

Democrático”- deveras, não fosse  tão triste a realidade, seria cômica a cena.

O Democrático! Um jornal que, já à primeira vista, denomina a utopia ou a hipocrisia, talvez ambas, com as quais nomes se fazem, personalidades se impõem e, infelizmente, ainda endossa  a filosofia enganosa dos agentes democráticos que ilustravam as páginas coloridas que se distanciavam da realidade em preto e branco daquele nosso personagem-mirim que as entregava com admirável avidez.

Colocado no banco do carona, o meu agora novo passageiro- O Democrático_ aguçava a minha curiosidade, pois sempre ouvi dizer no sonho da Democracia.

Assim, durante todo o percurso, por seguidas vezes, olhei para ele na tentativa de absorver-lhe alguma alegria, ainda que fosse somente esperança vã.

Ao chegar à garagem de minha casa, não me contive. Peguei o Democrático na expectativa de encontrar a prática daquela tão sonhada, também por mim, amigo leitor: a democracia.

Curioso!!!

Agora, muito curioso era o que os meus olhos liam e com o que minha consciência, mesmo cansada do trabalho, se constrangia.

Mas vocês sabem… As palavras… É impressionante como elas podem ser facilmente manipuladas e muito mais, manipular.

Talvez, outros, que agora, se detivessem também diante do Democrático, já nem se lembrassem do exemplo de cidadania e democracia visto na figura do ” menino do sinal”.Também, aquele era só mais um menino sem nome, cujo rosto não era muito marcante mesmo.

Ainda dentro do carro, no jornal em minhas mãos, estavam as palavras-chaves, as palvras-mestras ou até mágicas em ano de eleição, intrigavam-me:

“Um novo tempo, a mesma dedicação.”

“… o partido que mais trabalhou pela cidade.”

“Programa…”

“Construção…”

“Ações sociais…”

“Projeto…”

“Trabalho e fé para mudar.”

Dentre outras, essas são algumas das posições das palavras que formavam, naquele papel, expressões intencionais, forjadas em informação.

Não soube, naquele instante como definir a palavra Fé, ali tão bem empregada. E como não tenho muita clareza , interroguei-me, na busca de uma resposta:

–          Fé?

–          Boa fé?

–          Aproveitar da boa fé de alguém?

–          Permitir-se acreditar em quê?

–          Tomar posse de uma crença que assim como eu, todo o povo, carrega?

Na verdade, não soube até então, com que fé a palavra foi articulada pelo Democrático.

Mas, de repente, algo me animou. Um fio de esperança  ressurgia através de uma nova chamada, que foi capaz de  causar-me  certa alegria. E mais…impulsivamente, eu refazia meus sonhos democráticos na leitura do título de um projeto de nível federal:

“Projeto Olho Vivo.”

Imaginei: – olho vivo? ôpa!

Gosto de gente de olho vivo, porque é gente que tudo vê, com tudo se preocupa, gente que sente que o olho é a janela da alma, como dizia o poeta.

Olho Vivo! Não, leitor! Não era olho gordo. O adjetivo era Vivo!!!

E lá estava o projeto: “instalação de câmeras de vídeo para coibir a ação de marginais e baixar os índices de violência na cidade.”

Não deu outra!!!

Lembrei-me do nosso personagem do sinal, tão vivo em minha memória e tão real aos nossos olhos.

É ali que se deve Olho Vivo.

Não naquele sinal ou naquela avenida, e sim, naquele menino e na educação de qualidade que lhe falta. Pois ela- a Educação de Qualidade- ela sim forma de cidadãos conscientes  e é a base para a dignidade dos mesmos, e sem dúvidas, é a melhor forma de coibir a violência.

Em vez de privar os cidadãos que andam por esses ares, por que não investir na sua verdadeira liberdade, torná-los ávidos à prática democrática com justiça, no lugar das ilusões, das utopias e de tanta hipocrisia?

Terminada aquela curiosa e conflitante leitura, amigo leitor, não pude fugir da verdade:

Eu estava prestes a subir as escadas, entrar em casa e abraçar saudosamente meu filho. Sendo assim, precipitei-me em encontrar a lixeira mais próxima e livrar-me de tudo o que li, pois eu sabia que o abraço que me aguardava era tão puro e que, ainda como aquele menino do sinal, nada sabe sobre democracia.

Porém, eu não perdi a esperança de que, um dia, meu filho possa viver a experiência, certamente maravilhosa, do verdadeiro valor Democrático.

Valéria Ferreira Duarte Guedes – 05/08/2006